Necessidade de deixar um testamento despertada pelo medo da morte na pandemia do coronavírus
- Izabela Fantazia da Silva Rejaili
- 7 de abr. de 2021
- 4 min de leitura
O brasileiro, em sua maioria, não gosta de falar sobre a morte, em que pese ser a única certeza da vida. Há quem acredite, inclusive, que traz mal agouro tratar sobre ela. Consequentemente, até antes da pandemia do coronavírus, quando a morte, infelizmente, passou a integrar de forma ainda mais latente o cotidiano das pessoas, eram poucos os que se preocupavam com um planejamento sucessório.
Nosso ordenamento jurídico permite que seja feito um planejamento sucessório, desde que seja respeitada a reserva da legítima aos herdeiros necessários (metade do patrimônio deve ficar reservada, protegida, para os descendentes – filhos, netos, bisnetos – ascendentes – pais, avós – cônjuge).
Vale observar que neste artigo não será discutida a questão do companheiro ser ou não considerado herdeiro necessários, depois de o Supremo Tribunal Federal ter declarado a inconstitucionalidade do artigo 1.790, do Código Civil, que trazia, até então, a forma de sucessão do companheiro, em regime distinto da sucessão do cônjuge.
Também não vamos tratar de todos os meios utilizados na atualidade para se fazer o planejamento sucessório, tais como as doações, criação de holdings, escolha de regime matrimonial, previdências, etc. Vamos nos limitar ao testamento, previsto no Código Civil como a segunda forma de sucessão (artigo 1.786. A sucessão dá-se por lei ou por disposição de última vontade).
Portanto, conforme o dispositivo legal mencionado no parágrafo anterior, a sucessão ocorre pela ordem sucessória determinada pela lei (artigo 1.829) ou pelo ato de última vontade do falecido, ou seja, pelo descrito em seu testamento.
Existem os seguintes tipos de testamento, de acordo com o Código Civil:
Ordinários: público, cerrado e particular.
Especiais: marítimo, aeronáutico e militar.
Em linhas gerais, testamento público é aquele feito pelo Tabelião Notas ou seu substituto; testamento cerrado é aquele escrito pelo próprio testador ou por pessoa designada por ele, um advogado, por exemplo, e entregue para aprovação do Tabelião de Notas, na presença de duas testemunhas; testamento particular é aquele escrito pelo próprio testador, com a assinatura de três testemunhas.
Os especiais não vêm ao caso descrever, tendo em vista suas especificidades, mas podem ser encontrados no Código Civil dos artigos 1.886 ao 1.896.
Agora deve estar “passando pela sua cabeça” quem pode fazer testamento.
Primeiro de tudo, só pode testar o próprio detentor do patrimônio sobre o seu patrimônio, trata-se de um ato personalíssimo, noutras palavras, ninguém pode fazer um testamento pelo outro, tanto que o Tabelião de Notas e os Advogados podem transcrever o que o testador deseja.
Segundo, é preciso que o testador esteja de posse das suas faculdades mentais, esteja apto a praticar atos da vida civil, sendo assim, por exemplo, uma pessoa que esteja entubada, inconsciente, para tratar o coronavírus, não pode testar. Assim como também uma pessoa que esteja acometida de uma demência senil.
Bem, agora que o senhor, a senhora, caro (a) leitor (a) já sabe quem pode testar seu patrimônio, deve estar se perguntando o porquê faria isso.
Pois bem, (i) quando existe o desejo de beneficiar um de seus herdeiros com uma “fatia” maior de seu patrimônio, por exemplo, já foi dito que os herdeiros necessários tem seu quinhão hereditário protegido, mas a outra metade do patrimônio do testador poderá ser distribuída da forma que melhor de aprouver, portanto, é possível sim se beneficiar um herdeiro necessário (exemplo, um filho). (ii) É possível também se doar bens para alguma entidade que realize serviço social, uma igreja, um projeto, uma escola, etc. (iii) Que parte do patrimônio seja destinada a construção de algo, como um orfanato. (iv) Pode se beneficiar um amigo, ou qualquer outra pessoa que não é herdeira. (v) Evitar eventuais discussões entre os herdeiros, porque posso definir, seguindo a legítima e o quinhão de cada um deles, definir o que fica com cada um.
Enfim, quando se quer destinar seu patrimônio livre (descontada a legítima) para algo ou alguém que não se encaixa como seu herdeiro.
No testamento também é possível tratar de questões não patrimoniais, inclusive, se colocar um ônus, uma contraprestação, para o herdeiro legatário (nome que se dá ao beneficiário do testamento) cumpra para poder receber a herança. Por exemplo, “João, meu amigo, ficará com a casa que eu morava, desde que utilize parte do imóvel para montar uma escola”.
O senhor ou senhora, também devem estar se questionando como deve proceder para fazer seu testamento.
Bem, qualquer que seja a forma que deseja manifestar sua última vontade através de um testamento, sempre se recomenda consultar um advogado especializado no assunto para entender melhor as possibilidades e analisar seu caso particular.
Depois, como o já dito acima, os testamentos ordinários são os comuns e para que sejam feitos é preciso procurar um cartório de Notas de sua confiança, com duas testemunhas, caso opte por fazer o testamento público, aquele que é redigido pelo próprio Tabelião ou seu substituto; ou redija o senhor mesmo, ou um advogado, e leve para aprovação e arquivamento no cartório de Notas, com duas testemunhas, no caso do cerrado, ou; faça o senhor mesmo, ou peça para um advogado, na presença e com a assinatura de três testemunhas.
Ambas as formas de testamento ordinário, mesmo o testamento público, que precisa ser elaborado pelo Tabelião, poderão ser feitas dentro da sua própria casa desde maio de 2020, com a publicação do provimento nº 100/2020 do Conselho Nacional de Justiça.
Noutras palavras, mesmo que sua cidade esteja em lockdown, por exemplo; ou seja o senhor, a senhora, grupo de risco e não possa, ou não queira sair de casa, podem testar através de videoconferência e com a assinatura digital (que será emitida pelo cartório de Notas).
Tal provimento do CNJ facilitou, em muito, a realização do ato de testar, isso somado ao medo da morte, resultou no que já era esperado, o aumento do número de testamentos em nosso país.
O que se espera, pelos cartórios e operadores do Direito como um todo, é que a ato de testar seu patrimônio ou de planejar, de qualquer outra forma, a sua sucessão, passe a ser algo habitual entre os brasileiros, pois assim poderão ser evitados vários litígios. E mais, se espera que mesmo com o fim da pandemia, a tecnologia, que trouxe maior facilidade e acessibilidade, tenha vindo em circunstância excepcional, mas que fique mesmo com o retorno da “vida normal”.
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